João Archer (1928-2923)
João Archer, cujo nome completo é João Alexandre Cabral Archer de Carvalho – nasceu no Porto, em 19 de junho de 1928. Filho de Tomas Archer de Carvalho e de Maria Benedita Cabral de Carvalho, casa em 1954 com Maria Francisca Isabel Cardoso de Meneses de Almeida Campos. Archer recebeu da sua família materna – produtores de vinho da região do Duro – uma rigorosa educação naturalista que lançou a semente de uma paixão pelos valores da vida que se passearão por toda a sua arquitetura. Para isso terão também contribuído as longas férias de verão que passou durante a sua infância na Quinta da Pacheca na companhia de um grande número de primos e tios.
De 1944 a 1953 estudou arquitetura na ESBAP (Escola de Belas Artes do Porto) onde conheceu João Henrique de Mello Breyner Andresen (1920-1967) com quem, a partir de 1946, estabelece uma grande amizade e colaboração. É com Andresen que se inicia na ODAM (Organização dos Arquitectos Moderno) e, ainda estudante, colabora na histórica exposição de 1951 que o grupo realiza. Defendendo a tese em maio de 1953 apresentado no CODA (Concurso para a obtenção do Diploma de Arquiteto) o projeto para o Bairro da Caixa de Previdência em Bragança, onde obtém a avaliação máxima de 20 valores. Em dezembro de 1950, ainda estudante, ganha o 3º prémio no concurso Lusalite. Durante a colaboração com João Andresen, participa no projeto da casa Ofir (1946) e mais tarde, no âmbito da Escola, executou o Plano Urbanístico de Cacia/Sarrazola (maio de 1952), intervindo num vasto território muito condicionado. O júri atribuir-lhe-á a 1ª medalha, com menção honrosa. Continuará colaborando com Andresen até 1953. Durante o ano de 1953, colaborou pontualmente com Viana de Lima (1913-1991) no conjunto habitacional da rua Costa Cabral no Porto. Numa primeira observação, a formação de Archer respira modernidade. Nenhum desassossego aflora, ainda que o haja. A sua maturidade e capacidade de organização fascinam os seus Mestres e logo, a relação professor-aluno se converte também em sólida amizade. Culturalmente e no que diz respeito à profissão, João Archer é um homem da segunda geração Moderna. Formado na admiração de um Le Corbusier já sem dúvidas, mas imediatamente sensível a uma arquitetura moderna brasileira que reutiliza memórias impregnadas de cultura portuguesa. Participe da oitava edição do CIAM, e das ideias que ali se travam, o que mais lhe interessa é o pensamento do Team X- ideias para uma prática que impulsione a procura de uma arquitetura que satisfaça também as necessidades emocionais do homem (Van Eyck) e que estimule o progresso espiritual da humanidade (Bakema). Convencido da necessidade de participar da construção de um novo país, não é de estranhar que no mês sucessivo em que termina os seu estudos decida aceitar o convite para colaborar na epopeia do Douro Internacional (tanto pela dimensão como progresso tecnológico). Em 1952, participa, juntamente com Nunes de Almeida, na escola de verão dos CIAM (Congrès Internationaux d'Architecture Moderne), que decorre em Veneza, e aí envolvem-se no debate que tem como desígnio a Humanização da Cidade. Em setembro de 1953 ele entrou oficialmente na equipa de projeto da Hidroelétrica do Douro para a qual já desenvolvia estudos havia alguns meses. Foi o primeiro arquiteto da empresa e por isso o responsável pela metodologia implementada na equipa de trabalho e pela intensa colaboração entre especialidades. Além de coordenar todos os projetos realizados no Douro Internacional de 1953 a junho de 1964, é o autor das Habitações Permanente para Trabalhadores Especializados e de todos os edifícios de apoio às infraestruturas industriais hidroelétricas (edifícios de comando, centrais, eclusas de navegação, pórticos metálicos) do Picote, Miranda, Bemposta, Carrapatelo e Régua. A partir de 1953, exerceu a profissão de Arquiteto quase em exclusivo na Hidroelétrica do Douro, com exceção de alguns projetos realizados no Porto em colaboração com Rogério Ramos. Entre os que se destacam o Posto de Serviço Shell de Matosinhos (1960) e a loja de discos Clave (1966), ambos já demolidos. A evidência de João Archer como criador de uma cultura arquitetónica moderna e catalisador de uma tendência que atribui à arquitetura a responsabilidade de coordenar a génese do ato de transformação do território, no âmbito da equipa de engenheiros e administradores da Hidroelétrica do Douro e a sua colaboração na concretização destes projetos é hoje evidente e influencia de forma indelével e decisiva a arquitetura contemporânea portuguesa. Em 1956 realizou uma viagem de estudo a Itália, Suíça, Alemanha e França, visitou diversas infraestruturas hidroelétricas do Ródano e do Pó; a fábrica de pré-moldados Camus e a fábrica Brown-Boveri onde pode admirar a grande dimensão das máquinas que integrará depois nas suas obras; os bairros de habitação social feitos pelos racionalistas da escola Romana e a obra de Terragni em Milão e Como. Em 1958 participa, em Liège, no 24º Congresso Internacional de Habitação e Urbanismo e na Exposição Internacional de Bruxelas e visita as cidades satélites de Londres. Em 1964 fará mais uma viagem à Europa, para estudar as infraestruturas de energia hidroelétrica realizadas com a mais avançada tecnologia e em paralelo, visita as obras de Arquitetura Moderna localizadas nas proximidades, consolidando assim a visão moderna que vinha construindo e que lhe permitirá desenvolver os projetos dos edifícios industriais de apoio à produção de energia, que serão construídos, a partir de então, em todo o país. A um olhar mais atento, a obra de João Archer aparece aberta e carregada de subversão, num país então deprimido e sufocado por um regime totalitário. Subversão, mas também continuidade e rigor, numa sequência de projetos que inovam, integrando valores locais de cariz espacial e construtivo, e aportam progresso a uma secular cultura portuguesa, de construir paisagens habitáveis em concordância com a natureza. Uma obra de consciente valorização de uma tradição, procurada no aquele tempo, por outros Modernos, através do Inquérito à Arquitetura Popular em Portugal. Com Rogério Ramos (1927-1976) e Manuel Nunes de Almeida (1924 2014) realizou entre 1953 e 1964 um dos episódios mais importantes da Arquitetura Moderna Portuguesa: os conjunto das obra dos aproveitamentos hidroelétricos do Douro Internacional: um conjunto de obras hoje conhecido como “Moderno Escondido”. Exposições, publicações, documentários, vídeos e centenas de visitas ao território onde as obras se localizam, testemunham a excecional qualidade da intervenção de João Archer, como referência incontornável da Arquitetura Moderna em Portugal. O conjunto do Barrocal do Douro em Picote no conselho de Miranda do Douro foi classificado como Património de Interesse Público em 2011. Um pequeno conjunto urbano que pela qualidade, determinação e visão de JOÃO ARCHER DE CARVALHO se configura como uma grande afirmação da ideia perseguida pelos arquitetos Modernos: o desenho da colher á cidade e a obra como arte total. Porto, 07.03.2023 Fátima Fernandes e Michele Cannatà |
Imagem: João Archer / sigarra.up.pt
|